Um Parágrafo # 28 – Pesca
Maio 30, 2018
João Nuno Gusmão
Foges-me pelos remansos de um rio bem conhecido. Escondes-te nas águas límpidas e geladas que anseiam por uma Primavera sempre tardia. Gozas, libando, com a minha destreza no manobrar da pluma. Brincas com o ser plantado no leito do rio, almejando a curva ideal, o voo perfeito, o pouso natural da flâmula enxague nas águas que bem conheces. Eu sei que te diverte a intrusão de um ser aéreo e ignorante nos domínios aquosos em que és rainha e senhora. Eu sei que, em silêncio, zombas dos meus pés de cauchu e dos meus gestos amaneirados no domínio da linha. Mas, ao mesmo tempo, sei que respeitas, demonstrando-o com aquele bater de cauda inconfundível que dão vida aos rubros apontamentos da lustrosa derme, a justeza de te colocar de novo na água após um lançamento perfeito (ou então porque te fartaste de me ver por ali…). Eu sei, no entanto, que nadarás triste. Pelo menos enquanto houver covardes aéreos que, à socapa e de forma vil, te atraiçoam com malhas intransponíveis e sufocantes, explosivos anti-naturais e tóxicos venenos. Isso, dirás bem, não é pesca. É descer a um nível mais baixo do que o próprio leito do rio.